Meditação Mindfulness, Autocompaixão, Psicoterapia

Olá do Coração

 

– Oi, estás bom?

– Sim, está tudo bem.

 

É assim que habitualmente nos saudamos, por entre dois beijinhos ou um aperto de mão.

Tenho dado por mim a notar, não poucas vezes, como me sinto aprisionado de emoções, e, a sentir que estou a faltar com a verdade, quando me sai esta fórmula tão mecânica. Há dias em que iria precisar de umas boas horas para falar do que para aqui vai, ou do que esta vida me está a servir no prato neste instante. Por vezes a barra está mesmo pesada, mas sai por entre um sorriso de dentes cerrados um: “está tudo bem”. É força do hábito em parte, mas muitas vezes vem também do pressentimento de que não estou perante alguém que me vai acolher sem um julgamento, ou alguém que não queira salvar-me à força do que estou a sentir.

Há contextos em que simplesmente não é seguro ter esta abertura, de estendermos perante o outro os cacos do nosso coração e dizer: “Neste momento é assim que me encontro. Tenho o coração partido.”, ou: “Estou a sentir-me escangalhado. Não sei se vou conseguir segurar isto sozinho. Dás-me um abraço?”, ou: “Não me perguntes nada, nem sequer me digas que vai correr tudo bem, pois não sabes nada da minha luta. Senta-te só aqui ao meu lado um minuto e deixa-me encostar a cabeça no teu ombro.”.

O mesmo se aplica aos momentos em que me sinto a estourar de alegria. Parece que tenho um provedor da humildade que me impede de mostrar como este coração não cabe no peito, e, como me apetece fazer do Mundo uma grande festa e contagiar toda a gente com este entusiasmo. Mais uma vez, sinto que vou ser criticado, por estar a colocar à luz do Sol a vitória da vida. Paira em mim um sentimento de: «Que direito tenho eu de me mostrar eufórico, quando tanta gente ao meu lado pode estar a sofrer e a desmoronar? Continua a sorrir, mas não vás para lá de: “está tudo bem”.»

Começo a achar que esta saudação não passa de uma versão mais comprida do “Olá”, e que não pretende ser realmente uma pergunta, ou algo que signifique mais do que isto: “Estou vivo. Vejo que também estás vivo. É bom.”.

Desta perspectiva, acho que a resposta também muito tradicional: “Vai-se andando.”, de quem não se quer comprometer com um diagnóstico exacto, será talvez mais honesta e mais representativa da verdade ao longo do tempo, uma vez que a vida é mesmo isto, um rol de emoções e sentimentos, uns menos fáceis de levar, outros muito bons de se levar, o que em média poderá dar esta percepção de que lá vamos seguindo caminho com a cabeça entre as orelhas. No entanto, a vida é muito mais complexa e rica do que uma média aritmética, e, já dizia o ditado que as médias são traiçoeiras e escondem o essencial, pois se é verdade que um lago pode ter em média um metro de profundidade, também é verdade que em algumas partes pode ter dois ou três metros, o que faz uma diferença de vida ou morte para quem não sabe nadar. Da mesma forma, um só instante de vida de plenitude e amor verdadeiros, pode redimir uma vida inteira de mágoa e tristeza.

 

Enfim, fui investigar de onde vem a palavra “Saudação” e descobri que vem do Latim salutare, “saudar”, que significa literalmente “desejar saúde a”, de salus, “boa saúde, cumprimento”, relacionado a salvus, “salvo, em segurança”. Originalmente, a saudação servia o propósito de mostrar aos outros que as nossas intenções são boas e de que estamos de boa vontade em relação a eles, e, como tal, podem aproximar-se em segurança.

 

Guardo o desejo de um dia caminharmos para uma cultura e uma sociedade mais abertas aos sentimentos, em que a nossa dimensão afectiva possa ser reconhecida como central no ser humano, e, em que a inteligência emocional seja algo tão essencial de cultivar quanto aprender a caminhar ou a ler. Em tal sociedade haverá decerto uma saudação especial entre duas pessoas, que represente algo mais do que reconhecer que estamos ambos vivos, e de que não há nada a temer um do outro. Algo que seja um convite à entrega honesta, a um encontro entre iguais perante o que a vida está a ser neste momento, com abertura para realmente acolher e ser acolhido, venha mel ou venha fel. Uma homenagem profunda à verdade que habita em dois seres humanos, que se encontram numa encruzilhada da vida, exactamente no sítio em que podem estar, com tudo o que conseguiram fazer para ser felizes, em que tudo o que sentem é real e é válido. Uma saudação empática, o reencontro do rio com as suas margens, ou da onda com a sua praia, sem expectativa, sem pressa de chegar, mas na certeza de ser acolhido em lugar seguro.

Imagino algo sem palavras, ou quanto muito apenas uma palavra, pois esta poética do encontro é feita de olhar, toque e presença. Começa com um gesto de mãos em forma de coração, a relembrar que o diálogo parte deste sitio no peito onde há uma vastidão capaz de acomodar o Mundo.

Não digo que fosse uma saudação para um uso tão genérico como o “Olá”. Mas, quem sabe? Talvez um dia pudesse chegar a tanto. Até lá, vai-se andando.

 

Filipe Raposo

Texto escrito em Abril de 2017

Foto de Jade em Unsplash

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