Meditação, Mindfullness e Autocompaixão

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…A esperança é a mais doce e implacável das carcereiras…”, Autor Desconhecido

Felizes são aqueles que, no incompleto e no inacabado, são capazes de ver mais uma promessa do que uma lacuna…

O amor é o caminho que nos leva à esperança. E esta não é uma espécie de consolação, enquanto se esperam dias melhores… Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do eterno.”, José Tolentino Mendonça

 

 

O que é este sentimento que nos aconchega no meio da desventura?

O que é este ânimo que nos segreda bonança ainda durante a tormenta?

Esperança parece estar muito ligada com propósito de vida. Viktor Frankl, sobrevivente do campo de extermínio de Auschwitz, observou repetidamente como só aqueles que se agarravam a algo positivo pelo qual viver, se mantinham erguidos suportando o insuportável.

A esperança parece ser portanto, uma espécie de combustível que nasce algures nos recessos mais íntimos do nosso ser, quase sempre em momentos de dor ou de vazio, e, que enquanto dura, é capaz de nos mover e fazer agarrar à existência, por mais pesado que seja o fardo. Daí o ditado: “a esperança é a ultima a morrer”.

Diria ainda que a esperança é familiar direta da fé e da confiança. Em algum lugar estas sobrepõem-se. Vislumbrar possibilidades airosas no porvir, tem o seu quê de confiança e de fé neste fluxo de impermanência e incertezas que é a vida.

A esperança parece estar para a nossa psique, como a homeostasia e o impulso de sobrevivência estão para a nossa biologia.

Agora que o conceito de esperança está mais ou menos definido, importa lançar a pergunta: Será que é sempre benéfico alimentar a esperança?

 

O Mito de Pandora

Gosto da versão do Mito de Pandora, na qual a protagonista abre a caixa uma segunda vez.

Na primeira vez – apesar dos avisos dos Deuses – impulsionada pela curiosidade ávida, Pandora abre a caixa e solta todos os males que ainda hoje atormentam a humanidade (ódio, ganância, doenças, pestes, pragas, fome, guerra e morte). Rapidamente ela fecha a caixa ao compreender o erro, restando apenas uma coisa lá dentro. Pandora escutou então uma voz de suplica de dentro da caixa: “Solta-me por favor!”.

«Nada do que possa vir desta caixa poderá ser tão mau quanto o que já foi solto» – pensou Pandora.

Abriu novamente a caixa, desta vez motivada pelo discernimento. E assim se libertou a Esperança que voou em direção aos corações de todos os seres humanos, aliviando-lhes o sofrimento causado por todos os males anteriormente soltos.

Esta versão do mito, relembra-me que a natureza se rege por polaridades. Onde há a doença há também a possibilidade da cura, onde há sombra terá que haver luz e onde houver desespero haverá a esperança.

Retiro também outra possibilidade de interpretação, que tem que ver com polaridades no próprio conceito de esperança. Parece haver uma versão da esperança prejudicial, motivada pela avidez e incompreensão da realidade e que importa reconhecer e erradicar. Isto está patente no gesto de desobediência de Pandora, ao infringir as regras dos Deuses, ou se quisermos, ao infringir as leis que regem a natureza.

E depois temos a sua polaridade, uma versão da esperança saudável, motivada pela sabedoria e compaixão, e que importa cultivar. Temos isto simbolizado no mito, com o momento em que Pandora abre a caixa uma segunda vez, com o intuito de acudir à voz que suplicava liberdade.

 

O “lado pantanoso” da Esperança

Temos então uma versão da esperança que não nos liberta, não nos empodera, nem nos alivia. Esta esperança poderá partir de um lugar de dor não reconhecida ou não cuidada e pode motivar o pequeno ressentimento, ou a inveja, podendo ir numa progressão até ao ódio e ao desejo de vingança, e pode ter este aspecto: «Oxalá o meu vizinho barulhento seja expulso do apartamento… Oxalá aquele ex-namorado que me magoou seja infeliz na relação atual e termine sozinho (de preferência a suspirar por mim).»

Outra motivação poderá ser a de avidez. Quem de nós nunca desejou “agarrar” o prazer de comer uma boa refeição, ou o prazer de ver um bonito pôr-do-sol, ou de receber um elogio, esperando que dure para sempre? Subindo na escala podemos encontrar um nível de avidez ainda maior: «Oxalá consiga enganar todos e me tornar muito rico… Oxalá consiga tornar-me o homem mais poderoso do mundo.»

Outra motivação poderá vir da insegurança e desamor próprio: «Espero conseguir conquistar a, b e c e aí sim, poderei ser feliz.», ou então «Que bom seria que o meu concorrente tivesse um azar para eu lhe passar à frente… Oxalá a pessoa que vai fazer a apresentação antes de mim tenha pouco jeito para eu poder brilhar.»

Outra motivação poderá vir da ilusão, por vezes associada ao pensamento mágico, ou à apatia: «Como gostaria de alcançar o sonho de ser milionário (mas não construo uma carreira nem cultivo talentos)… Como gostaria de ir uns meses para África ajudar criancinhas pobres (mas nunca fiz um dia de voluntariado na vida, nem reparo na desigualdade na cidade onde vivo)… Como gostaria de ser jovem e bonita para sempre.»

Estes são alguns tipos de aspirações que parecem partir de uma incompreensão da realidade e daquilo que promove felicidade ou sofrimento. Por outro lado, estas aspirações parecem resultar de uma resistência mais ou menos subtil à nossa experiência do momento presente, um descontentamento com o que se tem e o que se é aqui e agora, ou por outras palavras, de um relacionamento pouco sábio com a realidade, que não é promotor de crescimento.

 

O lado virtuoso da Esperança

A esperança quando acompanhada de sabedoria e virtude, parte de motivações nobres, de aspirações do coração e de uma abertura ao momento presente em todo o seu espectro. Isto significa ver sementes de luz, mesmo no meio da mais densa escuridão.

Viktor Frankl referia que no meio do caos e sofrimento de Auschwitz, haviam vislumbres de beleza a ser colhidos e acarinhados: um pequeno pássaro que pousava no arame farpado a cantar; um pequeno gesto de bondade entre dois presos.

A esperança poderá partir de uma motivação compassiva que pretende aliviar o sofrimento: «Oxalá consigas vencer essa doença terrível e possas sorrir de novo, oxalá eu tenha coragem para te acompanhar qualquer que seja o desfecho.» Ou «Que eu possa encontrar a coragem para nunca me abandonar.».

Poderá partir de um reconhecimento de possibilidades virtuosas: «Vejo nestes jovens muito potencial, oxalá façam melhor do que nós, oxalá tornem o mundo um lugar melhor.»

Poderá partir da aspiração de um caminho que multiplique bênçãos: «Como gostava de conseguir libertar-me deste trauma. Como gostava de ter relacionamentos mais saudáveis. Oxalá eu me conheça cada vez mais e ganhe mais discernimento na minha vida.»

Poderá partir de uma motivação amorosa: «Amo-te e por isso desejo que sejas muito feliz.». Ou «Querido filho, que possas crescer forte e saudável e possas sempre respeitar-te a ti e aos demais.».

 

Que versão da Esperança estou a cultivar na minha vida?

Por vezes aquilo a que aspiramos parte de um misto de várias destas motivações. Importa pois contemplar atentamente e com honestidade, que tipo de motivação está a informar a nossa esperança.

A motivação de uma aspiração consegue ter contornos insondáveis. Surpreendo-me por vezes com as histórias que me conto a mim mesmo, legitimando determinados desejos e aspirações. É o eterno jogo de luzes e sombras, o jogo de escondidas do ego e do coração. Uso aqui mais uma citação para sublinhar esta polarização de motivações: “O ego diz: Quando tudo entrar nos eixos encontrarei a paz. O coração diz: Encontra a paz e tudo entrará nos eixos.”

Respondendo portanto à questão lançada lá atrás: Não, nem sempre é benéfico alimentar a esperança. Se queremos construir um caminho nobre que promova felicidade e multiplique bençãos, importa cultivar o lado virtuoso da esperança e ir erradicando as ervas daninhas que crescem no lado pantanoso.

Termino com uma citação de Viktor Frankl que me parece sintetizar as virtudes da esperança: “Ser humano aponta-nos e dirige-nos sempre a algo ou alguém, que não nós mesmos – seja isso um sentido a cumprir ou outro ser humano a encontrar. Quanto mais se esquece do seu “eu” – entregando-se a uma causa ou a outra pessoa para amar – mais humano se tornará.”

Tenho esperança de que estas palavras tenham trazido algo de bom para si.

 

Filipe Raposo

Dezembro 2021

 

Créditos da foto: michelle-leman no Pexels

 

Esperança – Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

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