Paciência
Conseguem reconhecer em vocês mesmos, em certos momentos da vossa vida, uma urgência, uma inquietação, uma vontade de passar adiante à próxima coisa, ou acelerar algo que está a decorrer? Por exemplo, quando começam a ler um texto, dão por vocês a ler na diagonal, saltando inúmeras palavras de forma impaciente, para captar a mensagem o mais depressa possível? Ou já deram por vocês a sentir-se irritados quando o ritmo do discurso, ou da ação de alguém é mais lento do que o vosso? Já se sentiram irritados, com os dias invernosos, ansiando pela chegada da primavera? Ou quem sabe contam os dias para a chegada da vossa idade de reforma?
Se isto vos é familiar então conhecem o gosto da impaciência.
Em primeiro lugar, quando estamos impacientes, estamos mais uma vez a rejeitar a realidade do momento presente (queremos algo que está adiante) e geramos ansiedade. Para além disso, estamos a perder a oportunidade de encontrar contentamento e paz no único lugar em que é possível encontrá-lo – aqui e agora.
Porque será que queremos tanto alcançar o que virá depois? Não será esta aspiração algo que nos encurta o tempo e nos aproxima da morte?
Parece-me que na cultura ocidental onde nos encontramos, com um ritmo tão acelerado, com vidas tão cheias de afazeres, tão sobrecarregadas de responsabilidades e compromissos, tudo nos empurra para um ritmo vertiginoso que potencia a impaciência. A ausência de tempo livre para contemplação e de silêncio; a desconexão do que são as nossas verdadeiras necessidades enquanto seres humanos; o guião convencional que glorifica o ter em vez do ser, criam o terreno fértil para a impaciência.
A impaciência é um sintoma de que não estamos em sintonia com o fluxo da vida, ou que não compreendemos, ou não aceitamos a dinâmica e a causalidade dos processos da natureza. Esta sintonia requer uma experiência que só se obtém com tempo, observação e realização. Talvez por isso as crianças e os jovens tendem a ser mais impacientes e é nos mais idosos que tendemos a buscar a visão sábia. Esta sabedoria a que me refiro, não é necessariamente construída com um longo percurso académico, ou com o acumular do conhecimento de muitos factos.
Quando estamos impacientes, estamos mais uma vez a rejeitar a realidade do momento presente (queremos algo que está adiante) e geramos ansiedade.
A paciência é uma atitude importante a cultivar no treino de mindfulness e na vida de forma geral.
A paciência é uma forma de sabedoria que resulta do reconhecimento e aceitação do facto de que os processos, os acontecimentos, e as mudanças na vida, têm a sua própria dinâmica e requerem o seu próprio tempo, não podem ser apressados. Apenas quando as causas e condições estiverem presentes é que algo que ambicionamos se manifestará, e não antes. Temos de ter a humildade de reconhecer e aceitar, que muitas vezes não está na nossa mão controlar essas causas e condições. Reconhecer também, que por vezes quanto mais tentamos controlar as causas e condições mais longe elas ficam de se manifestar. Se colocámos uma semente na terra, não vamos insistentemente esgravatar a terra para confirmar que a semente já está a germinar!
A paciência é uma forma de sabedoria que resulta do reconhecimento e aceitação do facto de que os processos, os acontecimentos, e as mudanças na vida, têm a sua própria dinâmica e requerem o seu próprio tempo, não podem ser apressados.
Na prática da meditação, o reconhecimento de que não dá para apressar processos, vai-se tornando mais concreto para nós. Em particular quando notamos que temos uma mente cheia de pensamentos, ou está presente uma emoção difícil. Se usarmos o habitual “modo fazer” para tentar controlar ou forçar a experiência, depressa constataremos que só pioramos a situação.
O mesmo acontece com a nossa progressão enquanto meditadores. Há períodos em que apesar de termos uma prática regular, parece que não está a acontecer nada, ou não notamos qualquer evolução. No entanto, se persistirmos, estaremos a criar e a manter as causas e condições que mais cedo ou mais tarde darão frutos. É como uma pequena gota que vamos acrescentando pacientemente a um balde. Chegará o dia em que o balde estará cheio e colheremos os seus benefícios.
Termino convidando-vos a ler o seguinte conto que fala da virtude da paciência.
A Lição da Borboleta
Um dia, uma menina estava a observar maravilhada há horas, uma borboleta que se esforçava para conseguir fazer o seu corpo passar através do pequeno orifício do seu casulo.
Chegou um momento em que parecia que a pequena borboleta não podia avançar mais, apesar do seu esforço. Então a menina que observava angustiada por tamanho esforço, decidiu ajudar a borboleta. Pegou numa tesoura e aumentou o buraco do casulo. A borboleta saiu finalmente sem dificuldade. Mas o seu corpo estava débil, as suas asas não estavam desenvolvidas e as patitas não suportavam o seu peso.
A menina continuou a observar, esperando que a qualquer momento a borboleta se lançasse a voar por entre as flores. Mas nada aconteceu.
A verdade é que a borboleta passou o resto da sua vida a arrastar-se pelo chão e foi incapaz de alguma vez levantar voo.
A menina, com toda a sua boa vontade quis ajudar a borboleta, mas o que ela não sabia, era que as borboletas, ao fazerem um grande esforço para atravessar o pequeno orifício, distribuem os seus fluidos vitais para as partes do corpo que necessitam de força para voar. Ao passar o orifício sem esse esforço, as asas da borboleta não receberam o que necessitavam.
Filipe Raposo
Fevereiro de 2024