O “Modo Fazer” e o “Modo Ser”
Somos Seres-Humanos e não Afazeres-Humanos.As nossas vidas são tipicamente muito preenchidas com responsabilidades, compromissos, prazos, horários a cumprir, preocupações, relações a gerir, em suma, a nossa tralha de afazeres. É natural que tenhamos uma tendência para pensar muito sobre tudo isto, tentamos usar a mente pensante para sentir algum controlo sobre a vida.
O pensamento não é algo negativo em si mesmo. O problema é acreditarmos na ilusão de que conseguimos controlar todas as circunstâncias, o que cria a tendência para pensarmos em demasia sobre todos os aspetos da vida. É a chamada ruminação, ou síndrome do pensamento acelerado, de que muitos de nós sofremos. Como alguém já disse: “A mente é um excelente criado, mas um péssimo senhor.”. Deixada sem treino, a mente pensante rapidamente pode consumir a nossa vitalidade, desgastando-nos e deprimindo-nos, não sobrando muito espaço para outras formas de nos relacionarmos com a vida. É do senso comum que necessitamos de cuidar do nosso corpo com uma boa dieta e exercício regular. Será que o mesmo não se aplica ao estado da nossa mente? Numa comparação aproximada, a meditação é para a mente o que o exercício aeróbico é para o corpo.
O pensamento tem inegavelmente a sua importância, há que reconhecê-lo, mas há toda uma outra forma de existirmos, mais vivencial que não passa pela mente atarefada de pensamentos e cheia de afazeres. Refiro-me à experiência pelos sentidos, sensações e emoções, aqui e agora, uma experiência rica e plena de sentido e que nos vitaliza. Esta é uma forma de nos relacionarmos com a vida, um modelo que passa mais por ser e estar e não tanto por pensar e fazer.
É um pouco a diferença entre olhar para um mapa, planear rotas e possibilidades de caminho, e, pôr os pés na estrada, mergulhar no território da experiência e “beber” diretamente da fonte da vida.
E é aqui que entra o mindfulness. O que se está a propor com a prática de mindfulness é voltar a resgatar a vivência do momento presente, aqui e agora, no sentido de restabelecer o equilíbrio entre o modo fazer e o modo ser.
Estar consciente do momento presente sem julgar dá-nos duas coisas:
-> Primeiro, uma maior habilidade de escolher as nossas respostas, tanto às circunstâncias internas como externas. Estaremos, por outras palavras, mais livres dos nossos pensamentos e reações recorrentes, habituais e condicionadas. Em vez de reagirmos em piloto automático, indo pelos caminhos mais trilhados dos hábitos que tão bem conhecemos (e que muitas vezes já deixaram de ser adaptativos), começamos a criar um espaço de escolha, de discernimento e liberdade para responder à vida de forma mais inteligente, criativa e compassiva.
-> Em segundo lugar, traz-nos um relaxamento natural tanto do corpo como da mente – quando não estamos a julgar, não ativamos tanto o ramo simpático do nosso sistema nervoso autónomo, responsável pela resposta de luta ou fuga.
“Compreendi que a vida não é uma sonata que, para realizar sua beleza, tem que ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efémero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e de amor justifica a vida inteira.” , Rubem Alves
Filipe Raposo
Outubro 2022