Generosidade
Importa desenvolver generosidade pois esta atitude cria um ciclo virtuoso que conduz a nossa vida à felicidade e abundância. A atitude de generosidade está muito relacionada com as atitudes de gratidão e desapego.
Podemos fazer o exercício de reconhecer as nossas boas qualidades e as bênçãos que temos nas nossas vidas, não de forma egóica, autocentrada, mas como o resultado de muitas condições favoráveis e do encontro e partilha com muitas pessoas. Vendo bem as coisas, aquilo que temos de bom nas nossas vidas, começando pelas nossas boas qualidades não são algo assim tão pessoal. Somos o resultado da qualidade e quantidade de inúmeros encontros. Como dizia Saint-Exupéry: “Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”
Deste reconhecimento pode resultar gratidão, e daí a motivação e o prazer de retribuir tudo o que recebemos ou aprendemos de importante. A vida convida-nos a este movimento de colher/receber para depois oferecer/doar de volta ao mundo. A generosidade é uma atitude muito sintonizada com a natureza de interdependência de tudo o que existe. Vida significa relação. Tudo está em constante relação com tudo, nós não somos exceção.
A atitude de generosidade está muito relacionada com as atitudes de gratidão e desapego.
A ação, palavra ou pensamento generoso que parte de uma visão de interdependência e inter-relação, gera bênçãos partilhadas. Quem dá sente alegria, liberdade e leveza, quem recebe é agraciado pelos efeitos da bondade. Há dignidade no gesto de dar. A generosidade fortalece os laços entre as pessoas e cria uma sensação de confiança e apoio mutuo. Por sua vez, os atos de generosidade inspiram outras pessoas e geram ondas de bondade e atos altruístas.
Quando falamos aqui de generosidade não é no sentido apenas da dádiva material. Podemos ser generosos com o nosso tempo, conhecimento, bondade, gentileza, compaixão, gratidão e perdão. A maior oferenda que podemos oferecer a alguém, é a nossa atenção e presença amorosa e conectada.
A generosidade é uma atitude muito sintonizada com a natureza de interdependência de tudo o que existe.
Ser generoso e poder trazer dádivas ou oferendas ao mundo, é algo que faz parte das necessidades essenciais do ser humano. Infelizmente a cultura dominante no Ocidente promove não a dádiva mas a divida, não a oferenda mas a acumulação. As narrativas e mitos que suportam a nossa visão da vida mantêm-nos numa ilusão de separação, insegurança e escassez que nos desincentiva e até dificulta a possibilidade da oferenda.
A metáfora dominante é a da manta que é curta demais. Se for puxada para um lado faltará do outro. Se eu der aquilo que tenho em sobra, faltar-me-á amanhã. Há uma pobreza existencial que resulta em parte do hiperindividualismo. Curiosamente, quando desafiamos esta narrativa, descobrimos que, como que por magia, a teia de interdependência nos traz de volta abundância e possibilidades que jamais poderíamos imaginar. Ser generoso e poder trazer dádivas ou oferendas ao mundo, é algo que faz parte das necessidades essenciais do ser humano. Mas em que é que isto se relaciona com o treino de mindfulness? – poderá perguntar-se. Aprender a “largar” e desidentificar dos conteúdos mentais – a que frequentemente chamamos “eu” – e chegar à realização da nossa natureza profunda, é a essência da meditação. Ora, a atitude de generosidade, e o gesto da oferenda cultiva o hábito de desapego na nossa mente. Torna mais natural o gesto de largar algo, algo que reforçava o nosso sentido de “eu” separado, isolado e que precisa de se proteger num mundo hostil.
Termino este texto com um conto que nos fala de generosidade.
A Menina que devolvia estrelas ao oceano
Durante uma tempestade fenomenal, o oceano agigantou-se e durante toda a noite foi lançando a sua fúria contra a praia. Ondas de mais de quatro metros arrastaram as suas entranhas de caracóis, peixes, algas e outros mil elementos.
Quando ao amanhecer a tormenta se acalmou, a praia estava totalmente coberta de estrelas do mar, que palpitavam levemente à luz morna da manhã. Uma menina madrugadora que caminhava pela praia, começou a devolver as estrelas ao oceano num empreendimento que parecia à primeira vista condenado ao fracasso, dada a enorme quantidade de estrelas na areia.
– Bons dias menina – disse-lhe um turista que a observava com admiração – Podes dizer-me o que estás a fazer?
– Não é obvio? Estou a devolver as estrelas do mar ao oceano. Se não as devolvo depressa, vão morrer com falta de oxigénio.
– Mas, não te parece inútil e descabido o teu esforço? Há milhares de estrelas e é impossível salvá-las a todas. Para além disso, possivelmente haverão dezenas ou centenas de praias também cobertas de estrelas do mar que irremediavelmente vão morrer. Não compreendes que não faz diferença?
– A menina sorriu docemente…, agachou-se…, apanhou outra estrela do mar e antes de a atirar à agua disse: – Para esta estrela sim faz diferença.
Texto escrito em Abril 2024
Filipe Raposo