Aceitação
De inicio, o entendimento desta atitude pode-se mostrar algo desafiador. Há quem interprete aceitação, como uma resignação passiva perante a vida em quaisquer circunstâncias, o que não é o que está a ser proposto. Treinar mindfulness não nos vai tornar seres amorfos e passivos, sem autoria ou poder pessoal.
A atitude de aceitação a desenvolver no treino de mindfulness, baseia-se num reconhecimento ativo das coisas tal como são, momento a momento, com abertura e recetividade e uma intenção clara de discernir a verdade de cada momento. A vida por vezes pede-nos ações, ou palavras: Numa situação injusta; numa situação de sobrevivência; numa situação em que queremos trazer algo para a nossa vida; ou numa situação em que é necessária mudança ou a colocação de um limite. Também há situações em que a vida nos pede uma não-ação, que se pode traduzir numa atitude sábia, uma forma de estar com as coisas tal como são, sem tentar controlar ou resolver, algo do domínio do ser/estar.
Para podermos discernir o mais sensato a cada momento, precisamos de partir de uma consciência clara da situação, o que inclui um certo nível de aceitação. Quando há um discernimento das coisas tal como são, abre-se um espaço de liberdade para podermos responder à vida desde um lugar mais sábio e compassivo. Podemos considerar que a atitude de aceitação é um pré-requisito para a sabedoria.
Pode dizer-se que mindfulness é um treino em que buscamos a verdade, momento a momento. Isto requer a atitude de aceitação.
Sem este treino, o que tende a acontecer, é que ficamos agarrados às coisas tal como gostaríamos que fossem, seja no presente, no passado ou no futuro. Tentamos forçar a realidade à medida dos nossos quereres. Pode ser por exemplo quando meditamos. Estamos sentados a notar o corpo, e às tantas surgem sensações desconfortáveis ou emoções difíceis. Sem escolhermos, em piloto automático, podemos entrar em luta, irritamo-nos, o corpo tensiona e começamos a julgar-nos a nós, ou aos outros, ou à meditação, etc. Também pode ocorrer surgir a vontade de fugir, de não estarmos ali a sentir, o corpo fica irrequieto, a querer mexer-se muito, e mais uma vez, podemos ir para os pensamentos de julgamento e critica. Ou então aborrecemo-nos e caímos na sonolência e torpor e apagamo-nos. Seja através de uma reação de luta, fuga ou congelamento, estas são expressões de não-aceitação do fluxo de experiência no momento presente.
A atitude de aceitação a desenvolver no treino de mindfulness, baseia-se num reconhecimento ativo das coisas tal como são, momento a momento.
O oposto da aceitação é a resistência. A resistência é o atrito entre o que a vida está a ser e aquilo que queremos que seja. A resistência pode-se manifestar como: tensão física, preocupação, busca desesperada por distrações, sonolência, trabalhar ou comer excessivamente, raiva desnecessária, avidez ou compulsão por algum objeto de prazer.
A resistência é a causa de um enorme sofrimento na nossa vida.
Importa reconhecer que aquilo a que resistimos persiste. É como se acrescentássemos camadas extra de sofrimento.
Por exemplo: Se lutamos com a falta de sono, podemos criar insónia; Se lutamos com a ansiedade, podemos criar pânico; Se lutamos contra a tristeza, podemos criar depressão.
Quando há um discernimento das coisas tal como são, abre-se um espaço de liberdade para podermos responder à vida desde um lugar mais sábio e compassivo.
Existe a fórmula dada pelo Mestre Zen Suzuki: “Sofrimento = Dor x Resistência”.
A dor é inevitável e faz parte da vida, já o sofrimento tem algo de opcional pois depende do nosso nível de aceitação ou resistência.
O oposto da aceitação é a resistência. A resistência é o atrito entre o que a vida está a ser e aquilo que queremos que seja.
Será fácil de imaginar como a atitude de aceitação está muito ligada com as atitudes de não-julgamento, não-luta e desapego.
Termino este texto com uma pequena parábola, que nos aponta para a importância da atitude da aceitação.
A Segunda Flecha
Uma antiga parábola budista fala sobre o sofrimento de uma pessoa que recebe duas flechadas sucessivas. A primeira flecha é a dor física produzida pelo ferimento. A segunda flecha refere-se ao sofrimento de outra ordem, mais subjetivo, com origem na ansiedade, tristeza, culpa, frustração com a nova realidade ou apego excessivo a uma ideia.
Não são as experiências em si que determinam o sofrimento, mas a forma como nos relacionamos com as experiências.
A primeira flecha é a dor que é inevitável e incontornável, a segunda é o sofrimento que acrescentamos pela resistência ou inabilidade de nos relacionarmos com o momento presente.
Texto escrito em Março 2024
Filipe Raposo