A origem do treino de Mindfulness
Mindfulness é uma capacidade natural no ser humano, que existe há dezenas ou centenas de milhares de anos, provavelmente desde que a evolução nos dotou de autoconsciência e da liberdade de escolher onde e como colocar a nossa atenção.
O treino de apurar esta qualidade de atenção com uma intencionalidade no momento presente, com o propósito de aquietar a mente e cultivar sabedoria, existe há milénios em diversas tradições espirituais e contemplativas, tanto na cultura oriental como ocidental.
A tradição Budista, com mais de 2500 anos, é reconhecidamente a tradição que estruturou e aprofundou de forma mais consistente este treino da mente. Mindfulness, ou atenção plena, é um dos pilares do Nobre Caminho Óctuplo, a prática budista. O Nobre Caminho Óctuplo divide-se em 3 áreas – o treino da conduta ou virtude, o treino da meditação e o treino da sabedoria.
Jon Kabat-Zinn foi o grande impulsionador de mindfulness no Ocidente. Jon é um médico doutorado em biologia molecular, e é professor emérito de medicina na Universidade Médica de Massachussets. Jon praticou e estudou meditação e budismo zen durante a maior parte da sua vida.
Em 1979 fundou a Clínica de Redução de Stress na Universidade Médica de Massachussets e começou a aplicar os seus conhecimentos sobre meditação e atenção plena, de forma adaptada, retirando a componente do treino da conduta e toda a bagagem religiosa, focando-se essencialmente na componente do treino da atenção plena momento a momento. Desenvolveu o programa de redução de stress com o objetivo de usar esta técnica secular para ajudar os doentes a lidar com o stress, a ansiedade, o pânico, a dor crónica e uma série de enfermidades: doença cardíaca, cancro, enxaquecas, hipertensão, perturbações de sono, etc.
Na década de 90 as evidências cientificas começaram a comprovar a eficácia deste método nas perturbações da ansiedade e dor crónica. Desde então já existe um corpo de estudos científicos considerável, a comprovar os benefícios deste treino.
As intervenções baseadas em mindfulness foram já integradas no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido para lidar com problemas de saúde mental e emocional como a depressão e a ansiedade.
Os primeiros cientistas a estudarem os efeitos da meditação eram peritos em neuroanatomia, fisiologia e processamento de informação. O resultado foi mais de uma década de estudos a comprovar como a meditação potencia o funcionamento do cérebro e do corpo – descobertas que continuam a surgir com regularidade e que explicam a publicidade em torno da meditação mindfulness.
Mais recentemente, os estudos acerca da meditação têm incidido no impacto que esta causa nos comportamentos sociais humanos, em particular comportamentos pro-sociais que aumentam os laços de afiliação e afeto, empatia e compaixão. Alguns estudos vieram agora comprovar como estas práticas desenvolvem de facto a capacidade de empatia e de comportamentos compassivos face ao sofrimento de outros.
Como podemos ver no gráfico anterior, o número de publicações cientificas entre 1980 e 2021 ultrapassa já as 7.000 e o seu crescimento continua a acelerar exponencialmente.
Para lá desta expressiva validação cientifica, importa reconhecer duas coisas:
-> Mindfulness não é a panaceia para todos os males como por vezes é anunciado, e por vezes necessita de ser ajustada às necessidades especificas de cada pessoa. É aí que entra a importância da aprendizagem com alguém que já conhece minimamente o caminho a trilhar e alguns dos obstáculos da mente. De salientar que em casos muito específicos, como é o caso de algumas psicopatologias, poderá não ser recomendável a prática de mindfulness;
-> É verdade que é necessário ainda realizar muita pesquisa em torno de mindfulness. No entanto, importa ter presente que mindfulness não é apenas a mais recente moda passageira. O treino de mindfulness já aí anda há alguns milhares de anos em diversas tradições contemplativas. Como tal, a atenção plena já deu provas e já passou o teste do tempo.
Filipe Raposo
Outubro 2022